Com o tema “Se precisar, peça ajuda”, campanha tem o objetivo de disseminar a escuta ativa sem julgamentos com mais empatia
Rosibel Fagundes
No dia 10 de setembro, é celebrado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Ao longo de todo o mês, profissionais de saúde intensificam as ações voltadas para a saúde mental e a conscientização relacionada à importância da preservação da vida, por meio da campanha “Setembro Amarelo”, que visa à prevenção do suicídio.
O tema deste ano, conforme a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), é “Se precisar, peça ajuda”. As entidades reforçam que todas as pessoas podem atuar ativamente para a prevenção do suicídio, tema ainda visto como um tabu. Por isso, é importante a escuta ativa sem julgamentos, a empatia e a disponibilidade para ajudar a quem precisa.
O suicídio é um importante problema de saúde pública, com impactos na sociedade como um todo. Segundo especialistas a pandemia da Covid-19 contribuiu para o agravamento de questões relacionadas à saúde mental, na medida que provocou mudanças e rupturas nos modos de viver, o que gerou o surgimento de transtornos mentais, como ansiedade, estresse causado pelo isolamento social e depressão. Dados preliminares da Vigilância de Violências e Acidentes da Sesa demonstram que a taxa de suicídio por 100 mil habitantes no Estado chegou a 3,36 até agosto deste ano. O número só vem aumentando e alcançou a marca de 7,75 em 2023.
A psicóloga Marlisa Schwingel, que trabalhou 27 anos no CAPS II em Santa Cruz do Sul e por alguns anos presidiu o Comitê Municipal de Prevenção do Suicídio de Santa Cruz do Sul, em entrevista ao Jornal Gazeta Popular, explica que certos comportamentos podem servir como sinais de alerta e merecem atenção para que se busque ajuda no momento adequado. Confira a entrevista.
1- Qual a importância do Setembro Amarelo?
R: Quando a gente fala em Setembro Amarelo, a gente fala em um mês que a ideia é chamar atenção para um assunto que é muito tabu na sociedade, que é a questão do suicídio. Muitas vezes para a pessoa que comete ou que se propõe ou tenta suicídio é um atestado de incompetência, um atestado que muitas pessoas acham que são pessoas idiotas ou julgam essas pessoas, então para a pessoa que está nesse sofrimento, no meu entender, é uma coisa difícil de reconhecer. Que falhou, que não consegue mais. E pro outro, pro familiar, às vezes é uma questão de vergonha, de como é que isso foi acontecer na minha vida. Então, Setembro Amarelo, a gente como trabalhador da área da saúde mental, sempre procurou estimular o diálogo, a conversa, desmistificação e a quebra dos preconceitos referentes a esse tema tão atual, tão intenso que nós vivenciamos, que é a questão do suicídio.
2- Baseada em sua vivência profissional, quais são os principais conflitos enfrentados pelos jovens atualmente e que causam angústia?
R: O ser humano por si só, vive conflitos diariamente, semanalmente ou eternamente. Conflitos mais intensos, conflitos menos intensos, quer dizer, o conflito, ele faz parte da vida do ser humano. O conflito, ele vem nos perguntar, nos questionar, muitas vezes, o que que eu estou fazendo aqui, como que eu estou fazendo isso aqui, se esse lugar que eu estou aqui é o meu lugar, isso é o conflito. Então, eu vejo que os conflitos fazem parte da nossa vida humana. A questão é como que a gente vai enfrentar esses conflitos. Eu entendo que não só para o jovem, mas com o adulto, a criança também e o idoso. O conflito, ele pode desorganizar de tal forma a nossa vida que a pessoa acha que a única saída é fugir do sofrimento que esse conflito gerou. Nos jovens, o primeiro conflito é a perda da vida infantil e a entrada na vida adulta, onde nós temos que tomar as rédeas e as decisões para a nossa vida por nós mesmos, independente do que como foi no passado na nossa infância, porque que o pai e a mãe é que tomavam. E com essa questão da infância, o tempo tá vindo e a partir de agora o adolescente não pode mais voltar pro passado, ele não pode mais ser criança. E por isso ele tem tantas oscilações de humor durante a adolescência, às vezes os pais não aguentam isso, porque o meu filho uma hora é criança, outra hora é adulto, outra hora é briguenta, outra hora é tranquilo. Essas oscilações às vezes fazem com que os pais hoje também, não tendo mais muita paciência, muita tolerância, meio que abandonam, meio que deixam o filho lidar com tuas confusões, com essa insegurança sozinhos e muitos ficam por horas no quarto. E esse jovem pode viver uma solidão muito grande e não saber como lidar com esses conflitos dele.
3- Na era digital, os julgamentos de quem está por trás das mídias sociais (por exemplo) pode ser prejudicial para alguns jovens ou adultos? De que forma os pais podem ajudar? Muitas vezes nas redes sociais as pessoas querem publicar o que as representa, por exemplo, eu estou feliz porque hoje aconteceu tal coisa. Os comentários podem ser de uma intensidade ou de uma maldade tamanha que quebra comigo. Porque o que acontece com todos nós, não precisa ser só os jovens, mas todos os seres humanos parece que necessitam da aprovação do outro, que o outro me olhe e que veja em mim, precisa dessa aceitação do outro. A gente tem medo de ser alguém que não entre na caixinha do outro. Socialmente põe em uma caixinha, tu tem que te enquadrar nesse, nisso e naquilo. Então o que que é o se enquadrar? Tu tem que ser magra, tu tem que ter cabelo bonito, tu tem que ter lábios bonitos, tu tem que ter dinheiro, tu tem que estar feliz 24 horas por dia, sete dias por semana. São os modelos que a sociedade está impondo e todos querem se encaixar nessa caixinha. Então, o cuidado às vezes quando eu não me encaixo nessa caixinha, os comentários que os outros vão fazer, então os meios de comunicação podem ser nesse momento, se eu como jovem estou buscando emocionalmente crescer, me estabilizar, tomar decisões e começa a vir uma enxurrada de pessoas, que só fazem isso mesmo pra criticar, pra botar pra baixo, e isso pode gerar em mim uma angústia tão grande que eu posso pensar, inclusive, na questão do suicídio. O diálogo pode ajudar o jovem a expor seus sentimentos e diminuir as angústias.
4- Quais são os comportamentos/sinais que devem gerar alerta, em todas as idades?
Na questão da mídia, eu vejo que tem muito a ver se os pais são um exemplo também. Se a gente, como mãe, como pai, também se perde nas mídias, se perde dentro da televisão, e hoje é mais o celular mesmo tomou conta, porque tu tem acesso a qualquer coisa, notícias, filmes, YouTube, música, mensagens e TikTok, não sei mais tudo o que. Então, assim, a questão de como os pais, como nós vamos reverter, isso é uma questão bem social já, como nós vamos reverter essa dependência dos meios de comunicação da mídia e dessa necessidade de que o outro me aceite assim, que o outro me aceite como eu sou sem eu precisar me encarar. Então, eu vejo que as pessoas que se suicidam, que procuram suicídio como tal, se perderam frente a esses desafios que a vida vai botando. Porque elas não se encaixam, elas não conseguem dizer, o fulano passou tal dificuldade, mas conseguiu e eu não consigo ser igual ao fulano, porque não se conhece. Então, eu diria assim que, às vezes, o autoconhecimento pode ser através de terapia, pode ser de livro de autoajuda, pode ser em igrejas. Ter uma doutrina mais sadia, precisa de orientação, de suporte, e nós enquanto trabalhadores da saúde mental, enquanto trabalhadores da mídia, a gente tem que levantar essas perguntas e fazer as pessoas pensarem o quanto elas estão hoje emaranhadas com coisas do outro e não com as suas coisas, porque a gente não se reflete mais, a gente olha o outro, outro, outro, e aí a gente quer se comparar.
5- Em que momento se deve considerar a participação de um profissional para intermediar a situação vivenciada? No momento que que começa a surgir a expressão de sentimentos negativos: uma tristeza profunda, desesperança, culpa, angústia, irritabilidade, raiva. E também quando ocorre o comportamento autodestrutivo: que é o uso de drogas ou álcool, automutilação, fala sobre morte ou suicídio; apresenta dificuldade em concentrar-se e tomar decisões.
Centro de Valorização da Vida
Em Santa Cruz do Sul, o Centro de Valorização da Vida (CVV) conta com 11 pessoas habilitadas, voluntárias, que atuam serviço de acolhimento e de escuta solidária, voltada às pessoas que precisam de ajuda. O serviço funciona de forma conectada e quem liga para a chamada Linha da Vida, pelo número 188, é atendido por um dos plantonistas do serviço. A escuta é sigilosa e todas as informações desta conversa ficam entre o atendente e a pessoa que fez a ligação.