As intervenções lúcidas e corajosas do Papa Francisco suscitaram um movimento global de reflexão e engajamento chamado Economia de Francisco e Clara. O que une esta imensa gama de reflexões teóricas e iniciativas práticas é a aplicação de alguns princípios éticos e humanísticos à reflexão e à prática econômica: solidariedade, cuidado e dignidade humana. O objetivo é pensar uma economia que não se submeta à ditadura do lucro e priorize o bem comum, a justiça social e a justiça ambiental.
A reflexão parte da constatação de que o modelo econômico predominante no mundo de hoje se caracteriza como “uma economia sem alma”. Por isso, nas palavras do Papa Francisco, “a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. É preciso pensar no bem comum, e buscar meios para que “a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana” (Fratelli Tutti, § 189).
Uma “economia sem alma” não aceita outra meta que não seja o maior lucro no menor tempo e com a maior concentração possível. Se essa meta ameaça o futuro do planeta, gera uma crescente e criminosa desigualdade social e exclui milhões de seres humanos, isso não passa de danos colaterais ou preço do progresso. A sobrevivência da humanidade e a integridade da criação interessam apenas à medida em que podem gerar lucros.
Nesse horizonte, a fabricação e o comércio de armas ocupa um lugar importante. Como esse também é um negócio lucrativo, importa turbinar o sentimento de insegurança, a polarização, o ódio e a agressividade. Então, cresce o número de condomínios fechados e as empresas de segurança privada. Apela-se até ao direito natural de armar-se, uma cínica releitura do direito humano à segurança: “Faturar é preciso, viver não…”
Francisco dizia que a vida não é passatempo ou tempo que passa, nem um confronto permanente e belicoso. “O que conta é gerar processos de encontro, processos que possam construir um povo capaz de recolher as diferenças. Armemos os nossos filhos com as armas do diálogo! Ensinemos-lhes a boa batalha do encontro!” (Idem, § 218). E isso não se faz traçando fronteiras e erguendo muros, mas construindo pontes.
Entre as propostas globais para criar uma fraternidade sem fronteiras, Francisco propunha aplicar o dinheiro hoje usado em armamentos e outras despesas militares num fundo mundial para acabar com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres. Isso ajudaria seus cidadãos a não serem atraídos por soluções violentas, ou vítimas indefesas das frequentes tragédias que se abatem sobre os migrantes (cf. Idem, § 262).
Para que isso não permaneça um delírio, precisamos engajar-nos na mudança do modelo de desenvolvimento global, no debate sobre o sentido da economia e dos seus objetivos, na correção das suas disfunções e deturpações e na redefinição da ideia de progresso. “Um desenvolvimento tecnológico e econômico que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se é progresso” (Idem, § 194). Em outras palavras: precisamos realmar a economia e globalizar a solidariedade.
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul