A iminente oficialização pelo Governo Federal da prorrogação das dívidas dos produtores rurais acendeu um novo alerta no setor agropecuário: como garantir que os recursos cheguem, de fato, a quem precisa? Apesar do anúncio positivo, a medida esbarra agora em um problema estrutural — a disponibilidade de recursos nas instituições financeiras onde os produtores possuem dívidas a serem renegociadas.
A Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) entrou em ação e vem articulando junto ao Conselho Monetário Nacional (CMN) mudanças para destravar o crédito. O objetivo é garantir que os valores necessários para as prorrogações não fiquem retidos em instituições que não operam diretamente com o produtor rural.
Atualmente, a maioria dos agentes financeiros atua apenas como intermediária, utilizando o mecanismo do Depósito Interfinanceiro Vinculado ao Crédito Rural (DIR), que permite o repasse dos recursos obrigatórios com lucro garantido e sem riscos. Já os bancos que financiam diretamente os produtores enfrentam margens espremidas ou até negativas, pois o custo de captação é igual ao teto permitido de receita — sem considerar os custos operacionais e o risco de inadimplência.
“A estrutura atual premia a intermediação sem risco em vez de estimular a concessão efetiva de crédito rural, que é o objetivo da política pública”, alerta o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz. “Isso desestimula os bancos a operarem na ponta e pode levar à exclusão de produtores considerados de maior risco, ainda que elegíveis pelas regras.”
Segundo Luz, a escassez de recursos nos bancos que realmente operam com o produtor leva a situações em que a prorrogação não acontece, ou só ocorre mediante juros elevados, de 2% a 3% ao mês — um cenário impraticável para muitos agricultores. Enquanto isso, instituições com sobras de recursos preferem emprestar a quem oferece maior rentabilidade, e não necessariamente ao produtor em dificuldade.
A Farsul propôs ao CMN a fixação de uma taxa de intermediação zero no DIR, a fim de impedir que a cobrança de juros no repasse comprometa o acesso ao crédito. “Não se trata apenas de uma questão técnica, mas de justiça na alocação de recursos públicos destinados ao crédito rural”, argumenta Luz.
A entidade defende que, ao permitir a cobrança de juros nos repasses, há não só uma distorção do objetivo do mecanismo, mas também uma forma de lucro indevido por parte dos intermediários. Isso acaba reduzindo a oferta de crédito e intensificando a crise que já afeta os produtores gaúchos, especialmente diante de múltiplas prorrogações exigidas por eventos climáticos e adversidades do setor.
“Estamos oferecendo propostas concretas para destravar recursos e atender aos produtores que estão com dificuldade. Se essa medida for aprovada, estimamos um aumento de até 20% na carteira das instituições financeiras com quem os produtores realmente operam”, afirma o economista. “Isso trará o fôlego necessário para as prorrogações acontecerem sem elevação dos juros contratados.”
A expectativa da Farsul é de que o governo e o Banco Central reconheçam a urgência da situação e adotem medidas que efetivamente garantam a execução das políticas públicas anunciadas, evitando que a promessa de prorrogação fique apenas no papel.