No Brasil, o primeiro trimestre do ano civil é marcado pelo Carnaval, um evento reconhecido no Brasil e no mundo pela sua relevância cultural, pelo seu apelo popular e, não menos, pelos seus frutos econômicos. Nele convergem as mentes e as mãos criativas de artistas e o protagonismo de sujeitos sociais que sofrem desprezo e marginalização durante a maior parte do ano. A beleza e grandiosidade dessa festa esconde meses de empenho disciplinado e generoso de gente que não encontra espaço na avenida.
Tal como o Carnaval brasileiro, a festa da Páscoa marca o calendário da fé cristã, e tem tal força que demarca um antes e um depois. Os dias esplendorosos e eloquentes do Tríduo Pascal reverberam em tons e cores diversas e complementares durante cinquenta dias (tempo pascal). Mas também são preparados diligentemente durante cinco semanas (tempo quaresmal), inauguradas com um contundente apelo à conversão e adesão ao Evangelho (quarta-feira de cinzas) e concluídas com o anúncio de que o tempo da graça e de boas notícias para os pobres chegou, e é agora (missa dos santos óleos).
O que faz da Páscoa um evento que mereça tão exigente preparação e tão estendida celebração? Qual é o tesouro precioso que ela esconde e entrega? Qual é a relação entre a Páscoa de Jesus e a doce-amarga vida de pessoas e povos que vivem no século XXI, confinados por medos e guerras que se imaginavam extintas, limitados por barreiras tarifárias nada recíprocas, separados por uma crescente e criminosa desigualdade social? Há algo mais a ser lembrado que uma história com trágico desfecho (condenação e execução de Jesus de Nazaré)? Há frutos mais saborosos e universais que lucros que se superam a cada ano (comércio de chocolates e outras mercadorias sazonais)?
A apoteose da Páscoa cristã não começa na avenida, mas no ambiente cálido de um espaço de encontro fraterno. Durante uma ceia de despedida e, por isso, carregada de caráter testamentário e vinculante, depois de repartir pão e vinho como expressão de plena e incondicional doação de si mesmo, Jesus se reveste de escravo e lava os pés dos seus amigos e discípulos mais próximos e fiéis. Com isso, Jesus escreve em caracteres vivos, que não há maior amor que dar a vida pelos amigos, e adverte quem se coloca acima dos outros, pois se acham superiores a Deus, pois Ele se inclina para lavar nossos pés.
Esta lição magistral coroa sua extensa e variada prática de acolher e reestabelecer a dignidade de pecadores mal vistos, de curar e emancipar doentes de todas as espécies, de premiar os últimos da sociedade com os lugares de honra, de atender prioritariamente às necessidades dos estrangeiros e não cidadãos, de denunciar a falsidade hipócrita dos separatistas e supremacistas fariseus, de desmascarar a violência e a rapina escondida por detrás da placidez da pax romana imposta pelo Império. E mostra-se tão revolucionária que pareceu inaceitável. Assim, no corpo de Jesus suspenso na cruz depois de ser torturado, foram pregadas todas as Utopias que mobilizam os humanos e os põem a caminho, e algemados e amordaçados todos aqueles que por elas vivem.
Mas – eis a alvissareira e provocativa surpresa que Deus nos brinda! – “a pedra rejeitada pelos construtores” se tornou a principal viga da construção de uma Nova ordem social, semente geradora de uma Nova postura religiosa, espírito criador de uma Nova humanidade, luz que revela o rosto e o coração de um Deus absolutamente diferente, essencialmente Santo (cf. Sl 118,22; Mt 21,42; At 4,11;1Pd 2,6). Um Deus Santo porque não se separa da humanidade, mas “desce aos infernos” para, na força da encarnação e da paixão, estender a mão e levar para fora e para cima os seres humanos criados à sua imagem e todas as suas amadas criaturas.
Por isso, como canta Elis Regina, mesmo que a esperança da qual somos peregrinos seja como uma equilibrista circense que dança na corda bamba amparada apenas pela fragilidade de uma sombrinha, nenhuma humana “dor assim pungente será inutilmente”. É Deus mesmo quem no-lo diz e confirma no mistério pascal Jesus de Nazaré! E uma Promessa assim potente, mobilizadora e revolucionária merece ser preparada e celebrada nas casas, nas avenidas, nas praças e nos templos, com a criatividade e fantasia próprias do amor.