A humanidade vive hoje tempos difíceis, como, aliás, quase sempre. Não há mais uma guerra fria, mas muitas guerras quentes e destruidoras, em muitas frentes. Mais de um terço das nações do mundo estão envolvidas em algum conflito violento! E pessoas que gostam de ser considerada “gente de bem” estão engajadas em batalhas ferozes para destruir reputações e espalhar bombas e minas que um dia explodirão, nalgum lugar.
Somente indivíduos que renunciaram ao que há de mais humano deixam-se levar por essa onda de insanidade ou ficam assistindo tudo como se fosse um jogo ou um filme que não tem nada a ver com a vida. Aqueles que renunciam a comprometer-se para que “ao sul do coração faça tempo bom” tornam-se seres minúsculos de pouca importância, zumbis estranhos, mas com grande potencial de destruição.
Ainda ressoa com força o grito musicado por John Lennon e Yoko Ono, em 1969: “Todo mundo está falando de revolução, evolução, inflação, flagelação, integração, mas eu falo: Deem uma chance à paz!” Muito antes, no cântico com o qual rompeu seu silêncio descrente, Zacarias saudou o filho João Batista dizendo que ele chegava para preparar os caminhos do Senhor, aquele que dirige nossos passos no caminho da paz (cf. Lucas 1,79).
Há mais tempo ainda, ressoa a voz do profeta e do Salmista, eco do projeto de Deus: “Subamos ao monte do Senhor. Ele nos ensinará seus caminhos. Ele julgará entre as nações, e ensinará a muitos povos. De suas espadas, eles forjarão arados, e das suas lanças forjarão foices” (Isaías 2,3-4). “Ele anunciará a paz ao seu povo e aos seus fiéis. A misericórdia e a fidelidade se encontram, a justiça e a paz se beijam…” (Salmo 84,11).
Causa tristeza e apreensão constatar que muita gente, inclusive gente piedosa e religiosa, ignora essa vontade expressa de Deus e esse grito pungente da humanidade. Alguns “poderosos miseráveis” têm a desfaçatez de criar inimigos e parir guerras em nome de interesses econômicos mesquinhos e de alimentá-la recorrendo a argumentos religiosos. E se apresentam, sem disfarçar sua empáfia, como promotores e negociadores da paz.
No momento em que sanha guerreira voltou a ocupar homens dos negócios e do poder, o Papa Francisco nos adverte: “O nosso mundo pretende garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança, sustentada pelo medo e pela desconfiança. Esmorecem os sentimentos de pertença à mesma humanidade, e o sonho de construirmos juntos a justiça e a paz parece uma utopia doutros tempos”.
E afirma, profeticamente: “É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança. A paz real e duradoura é possível só a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira”.
Mas essa conquista não virá dos negociadores de gabinete, comprometidos até o pescoço com as armas e as guerras, nem de inofensivas postagens nas redes sociais. A um trabalho artesanal e contínuo, feito a muitas mãos pelos “artesãos da paz”. “Bem-aventurados os que promovem a paz, pois eles serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5,9).